Uma das maiores lições deixadas pelo período de pandemia e quarentena foi a mudança nos hábitos de consumo dos colombianos. Antes da pandemia, a economia e a cultura colombianas tinham como protagonistas objetos como lojas de bairro, ñapa e pechincha, que mudaram completamente no ambiente digital. Embora se possa pensar que esses modelos desaparecem ou que passa por uma questão geracional, A verdade é que a Colômbia tem particularidades que tornaram seu processo de transformação digital um pouco diferente do de outros países.
Essa é justamente a premissa de Camilo Herrera, palestrante do recente Claro Tech Summit 4.0 e Fundador da Raddar, um ThinkTank para pensamento econômico e comportamento do consumidor. Segundo Herrera, se compararmos a Colômbia em termos de números puros, a verdade é que o país não se destaca, mas a realidade é que todo o país foi submetido a um forte processo de mudança e digitalização muito diferente de outros países, mesmo dentro da mesma região.
O desafio da conectividade
Para falar de digitalização, é preciso antes de tudo entender que ainda não estamos falando em termos universais. Embora a penetração de dispositivos como telefones e redes móveis seja animadora, Herrera explicou que apenas 42% das pessoas no mundo estão conectadas. “A tecnologia não é para todos. Temos um longo caminho a percorrer." ele explicou.
Esse entendimento coloca de certa forma uma primeira barreira de entrada para poder falar sobre a tecnologia como um bem verdadeiramente global. Outro grande obstáculo, diz Herrera, é que a grande maioria do conteúdo da Internet é escrita em inglês, enquanto o número de conteúdo em espanhol é insignificante.

Segundo dados do Raddar, iniciativa de Herrera, na Colômbia 0,7% das pessoas de baixa renda realizam transações pela Internet. Em contraste, 3% das pessoas de alta renda fazem transações online. Embora o número pareça desigual, a questão se torna mais ainda quando incluímos que os cidadãos de baixa renda representam 50% da população, em comparação com 10% dos cidadãos de alta renda.
Embora os números de Herrera sejam mais significativos do que parecem à primeira vista, eles servem para mostrar que ainda há uma lacuna significativa na conectividade e na alfabetização digital. “Temos um problema de acesso, temos um problema de linguagem, um problema de rede. Mas a possibilidade de crescimento é gigantesca.explica Herrera.
Apesar disso, hoje 21% do consumo colombiano é digital e, em geral, 2,5% dos gastos das famílias colombianas estão focados no comércio online. Mesmo com esses obstáculos, a Colômbia conseguiu realizar uma importante digitalização que não pode ser explicada simplesmente com números.
Além das gerações importadas
Nas pesquisas de mercado, talvez um dos pontos mais importantes tenha sido a segmentação por idade, que em alguns casos também é chamada de gerações. A Colômbia adotou amplamente as classificações de países como os Estados Unidos, segmentando e utilizando nomes como Geração X, Baby Boomers e Millennials
Embora esses nomes sejam úteis, Herrera explica que eles não cobrem toda a realidade colombiana. Se nos deixarmos levar pelos estereótipos, o bom senso ditaria que a geração Boomer é pouco ou nada digital, enquanto outras como a Millennials são quase exclusivamente digitais. Apesar disso, a realidade é muitas vezes muito mais complicada.
Herrera explica que a Colômbia é um país onde a hibridização foi muito mais ampla do que em outros países. O executivo explica que, por exemplo, não é raro ver vovós colombianas no Facebook ou assistir a vídeos no TikTok, assim como não é raro ver jovens que preferem ir fisicamente às lojas para comprar produtos. Uma grande lição da pandemia é que os colombianos, como muitos outros, aprenderam a misturar o físico e o digital.
“Você está no físico e no digital ao mesmo tempo. Tivemos que entender que uma das coisas que esse mundo da digitalização nos deixa muito profundo é que aprendemos a hibridizar”.
É justamente por essa diferenciação do consumidor colombiano que nasceram tantos empreendimentos que resolvem problemas 'estilo colombiano'. Herrera explica que mesmo a Amazon, gigante do comércio eletrônico, não conseguiu entender que o consumidor colombiano ainda prefere fazer pagamentos em dinheiro do que com cartões de crédito, mesmo que plataformas como a PSE continuem a ganhar terreno. Da mesma forma, plataformas como Nequi e Daviplata se destacaram porque conseguem criar uma ponte entre as necessidades do consumidor colombiano e a tecnologia.
“Entre a terra nos entendemos”, diz Herrera, que também ressalta que entender os nichos culturais de cada país e mercado representa uma tremenda vantagem na hora de criar inovação. “Não posso dizer ao colombiano que deixe de ser colombiano”, ele acrescenta.
Colômbia olhando para o futuro
Essas peculiaridades da Colômbia permitiram que o país se desenvolvesse rapidamente em alguns setores e ficasse para trás em outros. A lacuna de conectividade rural no país é um problema que vem diminuindo gradativamente, mas ao mesmo tempo o país tem estado na vanguarda de assuntos digitais como Inteligência Artificial, Fintech e comércio eletrônico.
“Existe um e-commerce no estilo colombiano que os americanos não entendem”, afirma. Além de tentar atribuir categorias importadas ou tentar segmentar, talvez um dos pontos importantes da pandemia tenha sido que, independentemente da idade, o consumo digital e de aplicativos aumentou tremendamente. “60% das transações bancárias em 2021 foram realizadas pelo celular”, diz Herrera, que acrescenta ainda que a única constante após a pandemia será a hibridização física e digital dos processos cotidianos.
O consumidor colombiano, como o global, existirá com presença nos mundos digital e físico. As lojas de bairro e os centros comerciais não vão desaparecer por causa da millennials, e as gerações mais velhas já entraram na onda da plataforma digital. “Foi isso que a pandemia nos deixou. Uma transformação total das casas em seus momentos de compra e consumo”.
Imagem Principal: Leandro Loureiro (Unsplash)